segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Clássico

Finalmente, depois de uma espera de 15 dias, vi a verdadeira elegância da onda de Supertubos. Estava suspeitando que a ressaca dos dias anteriores iria amainar e que a possibilidade de se pegar um Supertubos clássico era grande: a previsão indicava que o vento iria soprar em volta dos 8 km/h, em direção terral. Depois de enfrentar vários dias de sessão dupla por dia, já estava ficando muscularmente exausto. Alguns dias antes, tinha começado a fazer apenas um 'power surf' por dia, para assim ter um melhor rendimento e uma melhor explosão na água. Cheguei no pico com um amigo por volta das duas da tarde, ou seja, já com um crowd considerável na água. Apesar de não haver uma enorme multidão no outside, havia cerca de quarenta pessoas no line-up. Mesmo assim, corri para a água com força total e um sorriso no rosto.


Deixei minha câmera com o Dan, que estava com uma lesão no ombro, e corri para buscar meu lugar ao sol. Como o desempenho de Supertubos é sujeito ao sempre mutuante banco de areia, a onda nunca quebra no exato mesmo lugar e isso dá espaço para más interpretações quanto ao posicionamento dentro d'água. Apesar dos locais terem um sexto sentido quanto a quais serão e onde estarão as melhores ondas da série, e assim sempre remem nas ondas corretas, há sempre uma brecha para os turistas pegarem a boa onda da vez. Por vezes via tubos incríveis vindo em minha direção e havia algum nativo na preferência. Mesmo isso sendo uma incomodação, ao menos a imposição da comunidade local no outside era feita somente por meio de um surf de alta qualidade - nunca fui xingado, olhado com cara feia ou intimidado dentro d'água. Sempre que eu estava na melhor posição de drop fui respeitado, e da mesma maneira respeitei quem estava na posição inversa.

A água estava azul e com uma textura lisa apesar do leve sopro de vento, sentia como se fosse por aquelas duas horas que surf que eu tinha empreendido todo meu tempo, minha energia e meu dinheiro. A simplicidade desse momento e a adrenalina que flui pelas veias numa condição perfeita de onda são os fatores que fazem todo o esforço fazer sentido. Se as vezes me vejo divagando o porquê de estar ali, nessa eterna busca por prazer no oceano, é numa situação mágica desse tipo em que tudo se dissipa e a ansiedade é completamente dissolvida.

As ondas estavam descortinando para os dois lados - algumas tubulares, outras bastante verticais e corpulentas. Havia ondas para todos os gostos, e por isso consegui executar diferentes manobras para os dois lados. Surfei dois longos tubos, em outras ondas consegui rodar perfeitamente no 360˚. Tive uma tentativa de aéreo que, apesar de não ter acertado, foi bastante divertida. Se entrei no mar com um sorriso no rosto, saí dele de cabeça feita e um sentimento de missão cumprida. 








sábado, 5 de fevereiro de 2011

Amigos

Depois da intensidade dos primeiros dias de surf diário, duas vezes por dia, tirei um dia só para ficar em casa descansando; não perdi nada de muito interessante pois o vento estava forte. Foi muito bom dar uma trégua para os músculos, pois nos dias seguintes me senti cem por cento na remada e na linha de surf. Como o mar cresceu e comecei a surf com mais frequência, acabei por não atualizar muito o blog, mas mesmo nesse dia a preguiça bateu mais forte e nesse dia de folga não me animei em atualizá-lo. Todavia, foi imprescindível fazer algumas anotações diárias, para ter alguma referência sobre as andanças, senão teria posts cada vez mais confusos! 

No dia seguinte à recuperação física, decidimos ir até as praias do Ferrel ver o que esses picos mais afastados ao norte de Baleal nos reservavam. Fiquei espantado com a beleza do lugar, com muito verde e grandes paredões de pedra. A encosta parecia toda composta por arbustos, pequenas árvores e uma terra lamacenta. A composição selvagem da vegetação fazia lembrar as fotos do Algarve, nas praias do extremo sul de Portugal. Quase não acreditei que estávamos a apenas quinze minutos da capital do surf português, Peniche. Como é um beach break aberto ao vento, apenas em dias de pouquíssimas rajadas é indicado que haverá algo que valha a pena surfar. O mar estava gigante, mas fechava demais. Consegui remar até o outside mas as ondas não estavam lá essas coisas, foi um pouco frustante ver um mar tão corpulento sem condições favoráveis.         

Fiquei pensando comigo mesmo como deve ser perfeito ter um "motorhome" na Europa, apenas dirigindo pela costa, pronto para pular na primeira vala desconhecida enquanto a "casa" improvisada aguarda na beira da praia. Aqui na região é frequente encontrar peruas e motorhomes do Reino Unido, da França e da Espanha - que chegam a descer até o Marrocos em busca de ondas. 

Além da compania do Percy, esse amigo alemão que estou dividindo o hostel e o carro, nessa época fiquei amigo de um outro alemão, o Dan. Quando fomos visitar o Ferrel já estavamos saíndo para surfar os três juntos faziam alguns dias. Ele largou tudo que estava fazendo na Alemanha para tirar três meses de férias para viajar pela costa da Europa com a Emma, uma pointer linda. Ficamos muito amigos e ele ficou uns quatro dias a mais que o previsto aqui em Peniche. Acho que esse tipo de amizade intensa e passageira é uma das coisas mais confortantes dessas longas viagens; o sentimento de afinidade e de amizade somado à esperança de encontrar, em um furturo um pouco distante, essa pessoas uma outra vez. 

Nessa altura da viagem, completando mais de cinco meses de estrada, já deixa de ser frustrante conhecer pessoas por dias, semanas e meses para depois nunca mais vê-las. Mas acho que minha saúde mental, para não dizer sanidade, repousa no fato de ter ainda esperança de rever o punhado de pessoas que realmente fizeram a diferença nessa minha estada no Velho Mundo



sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Secret

Dia 7 ao 12 - As boas notícias começaram a vir quando a primeira ondulação brotou na costa. Quando estava sentado na praia, pensando em quão ridícula estava a situação do mar, conheci um alemão que passava de bicicleta pela praia. Começamos a conversar e nos demos conta que estávamos exatamente na mesma situação: desprovidos de um automóvel, sem um parceiro para o surf e com um plano de ficar por vinte dias em Portugal. Conversa vai, conversa vem, decidi me mudar para o hostel em que ele estava, no Baleal, praia vizinha dos Supertubos. Foi com certeza a melhor decisão que poderia ter tomado. No dia seguinte fomos para Lisboa alugar um carro, e daí em diante começou a vigília das ondas. 

Para acabar completamente com o meu hábito de dormir tarde a acordar tarde, a session matinal passou a ser às sete e meia da manhã - o que acarreta em acordar, precisamente, às seis e meia. Desse jeito, na procura das condições perfeitas, achamos até mesmo alguns lugares mais escondidos para surfar. Um dos lugares que fomos pegar onda pela tarde, de modo a escapar das multidões  de Supertubos com ondulação média-pequena: era uma prainha bem escondida e parecia ser insurfável, mas com a maré certa e uma direção de swell específica, abria-se uma direita de uma manobra só bem interessante. Começamos a acordar todos os dias cedo e ir direto para os Supertubos, para na tarde fazer um surf amigável nesse pico mais recluso. 

No decorrer desse dias o mar começou a melhorar muito, com ondas maiores e de melhor formação. No final das contas foi muito bom não ter quebrado tão grande nos dias anteriores, já que o condicionamento físico não estava ainda cem por cento. Quando a primeira ondulação atingiu Supertubos, pensei um pouco se entraria ou não na água, pois sabia que todos que estavam no line-up eram locais e que poderia me encomodar um pouco na escolha das ondas. Mesmo estando rodeado por bodyboarders portugueses, o clima foi imensamente mais tranquilo do que pensava que seria. A sensação de respeito imperava e cada um pegava a onda que lhe era devida.


"Keep it a secret, ok?"


A parte mais curiosa desses últimos dias de surf incessante foi o momento que fomos abordado por um surfista local nesse secret spot que falei anteriormente. Cuidadosamente, ele nos perguntou como tinhamos encontrado o pico e que deveríamos manter o lugar em segredo absoluto, pois era uma onda dos nativos de Peniche. Como eu me apresentei como brasileiro, portanto já falando em português, a conversa fluiu muito bem. Segundo ele, alemães, franceses, ingleses e dinamarqueses não respeitam ninguém na água, diferentemente dos brasileiros. Para completar, acrescentou que os franceses e ingleses são "uma raça do caralho".