Dia 6 - Como o mar continuava absurdamente pequeno, fato estranho para o janeiro português, eu e o Rudy decidimos fazer o relatório das ondas do norte. Pegamos o carro e dirigimos até a famosa Nazaré. A única coisa que conhecia sobre este sítio era a fama de ser um pico com as melhores ondas gigantes de Portugal. Juntamos um punhado de esperança e visualizamos que a ondulação poderia encaixar melhor nessa região, a cerca de cinquenta minutos de Peniche. Apesar de ter encontrado um belíssimo vilarejo e uma beleza natural invejável, o mar continuava parado. Talvez o fator positivo tenha sido ter me deparado com uma paisagem propícia para a fotografia e consegui registrar alguns momentos interessantes. No final do dia acabamos voltando para o Baleal, onde acabamos por surfar um pouco. A maré subiu e acabou valendo a pena ter viajado o dia inteiro enquanto o mar se ajeitava para a session do fim de tarde.
O ponto alto desse pacato dia foi a conversa com o Glauco, um dos homens que cuidava do albergue durante a semana. Ele é estudante de hotelaria e turismo aqui mesmo em Peniche. Puxei assunto sobre o clima que Portugal vive hoje: com uma situação econômica frágil, o país está prestes a ser praticamente obrigado pelos países membros da União Européia a pôr em prática um plano de austeridade nos moldes da Irlanda e da Grécia. Basicamente, acarretaria em um aumento nos preços dos produtos, uma diminuição geral dos salários da população, em cortes drásticos nos gastos da administração pública (a maior agravante sendo a demissão de milhares servidores públicos) e em uma submissão às diretrizes fixadas pelos países membros da UE.
A tensão econômica e política é bastante latente até mesmo para meus olhos de turista. Por toda cidade há pixações que clamam por greves gerais e mobilizações cívicas. O que mais marca são os outdoors de associações civis e de sindicatos com mensagens mais ou menos nessa linha: "Enquanto eles roubam, nós é que pagamos?", ou "Que justiça é essa?". Ou seja, além do país viver uma inércia econômica, não conseguindo sequer atingir a meta de crescimento de 0,8% ao ano, a cultura de desvios de gastos públicos é aqui tão presente quanto no Brasil.
É engraçado como as similaridades entre Portugal e Brasil saltam aos olhos diariamente. O que parece diferente é que o Brasil vive, hoje, seu momento de roubalheira e bonança; enquanto Portugal encontra-se prestes a jogar-se na fossa da crise e da estagnação econômica, sem deixar faltar os absurdos no campo da política. Procurei me inteirar sobre o passado recente do país, até mesmo para entender a situação e, principalmente, o período da ditadura. O Glauco me contou da impressão dele sobre o regime de opressão do Estado Novo. Com o mesmo nome do famoso regime de Getúlio Vargas, contou que foi um momento de pobreza, censura e tortura - com uma polícia política implacável. Fui pessoalmente dar uma olhada Museu da Ditadura na Praça/Forte de Peniche: foi enriquecedor ver de perto a propaganda fascista de Salazar, as acomodações onde aconteciam as visitas íntimas dos detentos e os fragmentos das leis que regulamentavam o estatuto dos presos políticos.
Com uma forma de governo apoiada na doutrina social da igreja, em um corporativismo de Estado e em uma conduta econômica nacionalista e isolacionista, levou o país à inércia e a pobreza. O que me pareceu transparecer na conversa foi de que a herança que o Salazarismo deixou para Portugal é de uma incapacidade para se inserir no complexo cenário global atual.